Memórias de Dona Didi
DIDI deixou alguns cadernos com suas memórias manuscritas. Descreve sua infância em Minas, a vinda para Goiás com os tios e seus pais adotivos, o casamento com o pioneiro José Araújo, sua fé inabalável e a presença dos mentores espirituais sempre orientando a sua vida. Dedicou as anotações a seus filhos biológicos e espirituais, aos netos e bisnetos.
DIDI deixou alguns cadernos com suas memórias manuscritas. Descreve sua infância em Minas, a vinda para Goiás com os tios e seus pais adotivos, o casamento com o pioneiro José Araújo, sua fé inabalável e a presença dos mentores espirituais sempre orientando a sua vida. Dedicou as anotações a seus filhos biológicos e espirituais, aos netos e bisnetos.
Capítulo I
Aquela voz, sinfonia suprema, clareada de luzes, que desde pequenina eu escutava, vinda das alturas incomensuráveis, das platéias universais, dizia-me: - Filha, recorde sua vida, escreva e contagie com essa beleza...
Seres divinais, harpas dando os sons de intensa alegria, pétalas de rosas caindo, deixando perfume no recinto e a voz como sempre desde pequenininha me falava: - Filha, escute esta magia do universo, escreva, conte sua vida, vida excelsa de cumprimento do dever, de disciplina, de sofrimento bem vivido.
- Verdade, dizia eu, preciso acordar, deixar algo imorredouro, escrever para deixar o testemunho da presença de Deus em todos nós.
Oh, meu Deus, como tenho sido feliz!? O cantar dos pássaros me alegra; como é maravilhoso este mundo em que vivemos... Quantas oportunidades temos para o acordamento de nossos espíritos!
Minha mãe, tia Juventina, maravilhosa criatura que tanto me amou e ensinou. Ela e seu esposo João Alves Pinto me deram um lar cheio de carinho e amparo! Deram-me estímulo e força, eu que era uma criaturinha minúscula, cheia de fraquezas e doenças! Como ela me afagava, dando-me coragem e forças para eu sobreviver.
Criatura santa, filha da minha querida avó Ramira e de meu avô Joaquim Alcântara, português.
Minha mãe criou diversas sobrinhas. Clodomira, filha da tia Jovita; Hilda e Agda, filhas da tia Belarmina e do tio Norberto, eu, filha de José Lucas e Maria Alves Pimenta...
Ela ensinou-nos o que necessitávamos. Quanta sabedoria, quanta lucidez e quanta bondade, o que sou devo tudo a ela.
- Filha, (é a voz que ecoa neste recinto) escreva!
- Sim, deixarei que os espíritos do bem estejam comigo para o trabalho. Sentia a brisa do alto refrescando o meu rosto, ambiente de paz, de ligadura com os planos superiores. Como é lindo podermos sentir tudo isso.
Capítulo II
Clodomira, filha da tia Jovita, veio de Bucaina, cidade do interior de Minas Gerais e minha mãe resolveu criá-la. Matriculou-a no Grupo Barão de Macaúbas, em Belo Horizonte. Ela tinha treze anos e eu quatro anos; Eu quis ir com ela à escola, ela foi alfabetizada aos treze anos e eu com apenas quatro. A minha infância foi muito linda, apesar de tantas enfermidades. O amor de minha mãe Juventina me faz lembrar do livro: Palavras da Vida Eterna, de Emmanuel, no capítulo 117 “Fita a criança recém nata em muitas circunstâncias tocada por enfermidade inquietante. Vagindo, nos braços maternos, mais se assemelha a pobre farrapo humano guardado pela morte; Todavia, traz na própria formação orgânica, aparentemente comprometida, a força que a transfigurará, talvez num condutor de milhões de pessoas...”.
Capítulo III
Assim é a vida, meu pai, João Alves Pinto tinha muitas propriedades, casas de aluguel em Belo Horizonte; na Rua Salinas, na Rua Gabro e na Rua Itacolomita, no Bairro de Santa Tereza. Em 1935, ele vendeu todas as propriedades e fomos para Venda Nova, onde elo possuía uma chácara em que morava tia Belarmina, perto da Pampulha. Ali ficamos um mês até que ele recebesse o dinheiro da venda das casas. O pensamento dele era vir para a nova capital de Goiás, Goiânia, e comprar lotes, como viemos.
Agora compreendo tudo, por isto fui criada por eles, meus tidos, para que eu viesse para Goiânia, onde teria que abraçar com fervor e humildade a minha condição de médium dirigindo centros espiritualistas por quarenta e cinco anos... se eu fosse criada por meus pais legítimos talvez tivesse esta oportunidade sacrossanta na direção de milhares de seres...
É grandioso tudo isto, somos direcionados pelo Alto, cumpre-nos apenas a obediência às Divinas. A harmonia corporal pode ser temporariamente quebrada pelo que se chamam doenças; mas o organismo é sustentado por algo superior que tem o poder de restaurá-lo. Tudo em nós trabalha para a vida e pela renovação.
Capítulo IV
Filha, ouve-se novamente a voz amiga, escreverá sua vida em homenagem aos filhos que adquiriu neste orbe. Suas memórias serão dedicadas ao Marco Antonio, à Regina Lúcia, Clélia Maria, Sonia Cristina, José Araújo Junior, Maria Celina e Maria Luiza. Também à Maria Elizabete, sua filhinha que viveu apenas três dias aqui na Terra e, ainda, às filhas de outros pais que passaram pelo seu lar, umas por mais tempo, outras menos. Carmélia, Manoela, Edir, Flavinho, Malvina, Elza Barbosa e Benedita Claudina. Também, por pouco tempo, Honorama R. Barbosa.
Filha, veja os campos de lírios, flores à sua volta, esta melodia dos pássaros em revoada. Sinta alegria por esta grande missão. Esta união com espíritos que firmaram trabalho consigo. Filha, comecemos a escrever.
Capítulo V
Eu estudava no Colégio Sagrado Coração de Jesus, no Bairro Serra em Belo Horizonte. Meu nome era Geraldina Lucas Pinto, fui registrada desta maneira. Lucas da minha tia Juventina e Pinto sobrenome de meu pai.
Minha mãe pegou minha transferência e viemos para Goiânia. Em Uberaba, pegamos o trem de ferro para Leopoldo Bulhões. Era este o caminho certo para chegarmos à Goiânia. Ao chegarmos à praça sem asfalto de Leopoldo Bulhões, meu pai procurou logo uma condução e viemos para Campinas, pois ainda não havia casas em Goiânia.
A viagem foi longa, aqui era tudo trilheiros, podiam-se contar as construções, o Grande Hotel, na Avenida Goiás, o Palácio das Esmeraldas, na Praça Cívica. Alguns prédios de repartições. A casa Araújo, na Avenida Anhanguera esquina com a Rua 20. Esta Casa Araújo foi a primeira casa comercial pertencente ao José Araújo que foi meu primeiro esposo. Eu e meus pais morávamos em uma praçinha de Campinas.
Capítulo VI
José Araújo em 1936 |
Em meados de 1935 cheguei do Colégio Santa Clara e meu pai falou-me:
- Didi, tem um pedido de casamento para você.
- Quem? Eu não tenho namorado, como isto sucede? Meu pai respondeu-me: minha filha agora chegou a hora de conversarmos... Você é nossa filha adotiva e José Araújo sendo bem mais de idade será um pai para você...
- Como? Por quê?
Mais tarde respondi:
- Pode falar ao Sr. José Araújo que caso com ele. Vou ter a minha casa. Vocês têm sido maravilhosos comigo, mas creio que basta.
Eu tinha quatorze anos e ficou acertado que me casaria daí a um ano.
Sempre que começo a recordar a voz me fala: - Filha, comecemos a escrever. Logo, sinto perfume de flores, rosas, jasmins, uma harmonia muito grande, uma satisfação enorme... espíritos chegando, me cumprimentam, como me sinto feliz; parece que faço uma viagem pelo céu, sinto-me leve como pássaro voando, como peixes nadando nos mares e rios, vejo luzes, sinto alegria.
Meu pai resolveu que deveríamos ir para Araguari durante aquele período - 1935 a 1936.
Acho que aprendi com eles esta mania de mudar, nem que seja para outra casa na mesma cidade. Voltamos para Goiânia em meados de 1937. Foi acertado que eu me casaria em 11 de dezembro de 1937. Neste tempo meu pai achou uma casa na Rua 71, no centro de Goiânia. Mudamos e o casamento se deu em casa. Minha mãe fez um altar na sala, chamou o padre da matriz de Campinas e se deu o casamento civil e religioso. Chovia demais e fazia muito frio. José Araújo era filho de João Antonio Araújo e D. Maria Madalena. Eram dez irmãos, Ulisses, Augusto, Maria, José, Adauto, Antonio, Antonia, Hermínia, Hilário e Leonilde.
Minha sogra era muito minha amiga e tinha verdadeira bondade comigo.
Capítulo VIII
Como sempre, após tantas recordações, sou alertada pela voz amiga. Largo de cismar, entrego-me à espiritualidade. Como é bonito o trabalho de psicografia!
CASA ARAÚJO, Av. Anhanguera esq. c/ Rua 20. |
José Araújo criava uma EMA no fundo de casa. Dona Didi costumava contar que ela comia todos os talheres da casa. |
Eu era católica, destas pessoas que confessavam e comungavam quase diariamente. José era espírita, mas nos dávamos muito bem, apesar de ele ser muito doente. Nós morávamos em um quarto e sala pegado à Casa Araújo na Av. Anhanguera. No comércio dele tinha de tudo. Material de construção, bar, confeitaria, restaurante, assim era a Casa Araújo. Meu pai abriu uma loja de tecidos na Av. Anhanguera, chamada Casa Alves Pinto. Minha mãe era amiga de Dª. Gercina, esposa do Dr. Pedro Ludovico, governador de Goiás. José Araújo, meu esposo, era irmão de Maria de Freitas, esposa do Professor Venerando de Freitas Borges, primeiro prefeito de Goiânia. A vida corria com muito trabalho, mas muito boa. Eu era muito nova, com quinze anos, ajudava José a medir canos, madeira, pesar mantimentos; até quando faltava cozinheiro eu ia fazer as porções, sopas, quitandas, almôndegas, almoço para o restaurante. Sempre achei que o trabalho era essencial para as pessoas.
Capítulo IX
José construiu nosso lar na Rua seis, nº 46, esquina com a Rua cinco no centro de Goiânia. Fiquei deslumbrada, era uma casinha muito linda e acolhedora. O jardim era belo, canteiros de margaridas, violetas, rosas, petúnias, hortênsias, árvores de murta, jasmim, azaléias, bouquet japonês e chuva de ouro.
Sempre agradeço a Deus pela melhor escola do mundo. Agradeço pelo suprimento abundante que me torna acessível às coisas boas! Agradeço revelar-me os reais significados da existência. Agradeço pelas formas, cores, perfumes e gostos. Pelo inverno que estimula, pela noite repousante, pela terra que nutre, pela chuva que fecunda, limpa e dessedenta. Agradeço ao Pai por ser quem eu sou e me dar possibilidade de ser muito mais, atingindo com minha individualidade a sua plenitude... Agradeço por compreender e aceitar a individualidade dos outros numa convivência mutuamente feliz e edificante. Agradeço a Deus, pois que seu plano de amor é completo, amoroso e perfeito...
Era o ano de 1944. Eu e José fazíamos planos de sermos sempre felizes com muitos filhos. Em 21 de março comecei o trabalho de parto logo que acordei. Eu e José estávamos muito contentes com a chegada do primeiro filho. José avisou minha mãe Juventina e fomos os três para a maternidade do Dr. Altamiro de Moura Pacheco, na Avenida Araguaia, esquina da Rua três, no centro de Goiânia. Permaneci muito mal por quatro dias. Dr. Altamiro disse-nos que não era cirurgião e que não faria cesariana. No dia 25 de março de 1944, pela madrugada, nasceu meu filhinho, Marco Antonio, com 3 quilos e meio, muito fortinho e bonito. José ficou contentíssimo e começava para nós uma nova vida de muita alegria.
Didi, Marco e José Araújo, em Serra Negra, SP., 1946 |
Marco Antonio foi sempre uma criança inteligente e quando tinha dois aninhos ele me disse: - mamãe, você não é a minha mãe; a minha mãe tinha os cabelos pretos e compridos e a gente nadava nos rios de águas grandes...
Marco Antonio tinha dificuldade para falar e mudava muito as palavras. Ele aprendeu a nadar muito cedo, diferente de mim, que toda vida tive medo das águas dos rios e mares... Marco Antonio teve como primeira mestra D. Benedita Pena que o alfabetizou.