Memórias da Dona Didi – 5ª Etapa
Madrugada do dia 4 de junho de 1953. Acordei, aprontei a malinha do enxoval do meu ou da minha nenê. Deixei Marco Antônio, Regina Lúcia e Clélia Maria com Natalina e Tertulina, irmãs que viviam em nossa casa e nos ajudavam com as tarefas domésticas. Fomos José e eu para o Hospital São Lucas, porque eu esperava o quinto filho ou filha.
Menininha, esta Sônia Cristina que não fez como os outros que demoraram horas para nascer! Apressadinha, hein?! Poucas dores, criança acomodada e inteligente! Desde cedo foi a companheira de José em tudo. José construiu uma granja no lote vago ao lado de nossa casa. Fez uma horta, tínhamos uma mangueira que dava frutos docinhos e dava uma sombra para as crianças brincarem debaixo. Sonia Cristina ajudava o José a tratar e a vacinar as galinhas. Vendia verduras fresquinhas e ovos para os vizinhos! José sempre dizia: - Esta menina será mais tarde uma grande negociante; realmente ela trazia tudo apontado e prestava contas de tudo ao papai.
Na época do carnaval, José comprava lança perfume para eles brincarem no lote vago e Regina borrifava nas galinhas e elas caiam tontas. Sônia se zangava e gritava: - Se você matar a Patona, você vai ver! Patona é a maior galinha do galinheiro.
Sônia Cristina, 1958 |
Sônia Cristina gostava muito de criações. José criava galos papuíras que investiam na gente. Criou uma onça jaguatirica, uma ema, gatos e vários cães chamados todos de Tupi. Soninha adorava os animais e também era muito estudiosa. Aliás, todos os meus filhos foram muito aplicados no colégio. Eles fizeram o curso primário no Externato São José ou no Educandário Goiás, dirigido pelo professor Moacir Brandão e Dona Maria.
Todos os anos, José acendia fogueira no dia de São João. Eu fazia canjica, broas, pães de queijo, pé-de-moleque, doce de leite em pedacinhos, para a meninada, não só os meus, mas também para os da vizinhança. José comprava fogos de artifício e eles acendiam estrelinhas, rodinha coloridas, traques e busca-pé. Era a maior brincadeira deles. José era um pai maravilhoso, pena que mudou de plano muito cedo, deixando alguns ainda pequenos e não viu nenhum formado ou casado, tampouco os netos tão lindos e inteligentes.
Capítulo XXII
Todos os meus filhos me trazem muitas recordações. Eu continuava costurando as roupinhas da obra do berço. Sonia Cristina, já grandinha, me perguntou:
- Mamãe, para quem a senhora vai deixar a máquina de costura quando a senhora morrer?
_ Por quê? Perguntei.
Soninha foi sempre muito liberal, sempre gostou muito de fazer caridade. A alegria de dar é um impulso natural do íntimo. A caridade e o serviço amoroso e altruísta é o caminho mais curto e alegre que nos leva a Deus! Jesus, amado Mestre, como é bom a gente recordar... E a voz me alertava: - Filha, continuemos a escrever!
Soninha foi mais tarde uma companheira muito sincera e amiga para mim. Muito cedo ela exerceu a mediunidade no Centro Espiritualista Irmãos do Caminho e me acompanhava nas visitas de assistência aos pobres.
Capítulo XXIII
José me preocupava demais. Pela manhã eu me perguntava: - Será que ele anoitece? À noite, eu pensava: - Será que ele amanhece? Eu vivia numa grande atribulação... Com tantas crianças, como poderia dar conta de tudo sozinha?
Em junho de 1954, José estava internado no Hospital São Lucas com uma crise de soluços incrível. Era a mesma doença do Papa João XXIII em Roma. José fez diversos exames e permanecia muito mal no hospital.
Eu, mais uma vez grávida, esperando o meu 6º filho ou filha. Soninha era pequenina e também os outros filhos. Eu não tinha sossego, se estava no hospital, eu me preocupava com as crianças; se estava em casa, eu me preocupava com o José hospitalizado. América, irmã do Dr. Alírio, mocinha muito bondosa, me ajudava a olhar as crianças. Também o Tonho, irmão do José, e sua esposa Laurice, lavavam as roupinhas dos meninos e faziam a comidinha deles, pois eu não parava em casa, estava sempre no hospital com o José.
Após muitos dias de sofrimento para todos, José melhorou e voltou para casa. Mas depois de poucos dias ele teve uma crise horrível. Cansado, dei-lhe um comprimido para tomar e ele dormiu fazendo uma prece. Eu descansava na cama ao seu lado, dormindo. De repente, eis que me levanto, chego perto de José e a voz lhe disse: - Pronto, meu filho, aqui estou. Você ficará bem, por pouco tempo. Neste tempo você porá todas as coisas em dia. A crise vai passar. Assim sendo voltei para a cama, deitei não sei como. O José me acordou, dizendo:
- Didi, agora eu estou bem, já não estou com falta de ar, a febre passou, o corpo não está doendo... Tinha sido curado, graças a Deus! Agradecemos a Deus a ajuda do Alto e ele passou uma longa temporada bem melhor.
Capítulo XXIV
30 de julho de 1954. Era de madrugada e não demorou muito e comecei a ter os vestígios do parto. Era chegada de mais um filho ou filha. Aproveitei e fiz a malinha do nenê; Olhei as crianças que dormiam; José e eu fomos para o Hospital São Lucas, na rua quatro do centro da cidade. Deixamos as crianças com a Mariinha, moça abnegada que já estava lá em casa há algum tempo.
José Araújo Júnior, 1955 |
Chegou José Araújo Júnior, o Zezinho tão esperado depois do nascimento de quatro meninas seguidas. Nasceu fortíssimo com cinco quilos e duzentos gramas; era um meninão! As roupinhas ficaram pequenas e apertadas, todo diferente dos outros, até na alimentação. Cresceu forte e enorme e tinha uns brinquedos extravagantes... Fazia carrinhos de rolamentos e descia em disparada na rua seis. Mais tarde foi campeão de Judô e natação.
Quando ele tinha dois aninhos, eu o deixei em casa dormindo e fui entregar os enxovaizinhos da obra do berço na Tenda do Caminho; lá demorei pouco mais de uma hora e quando cheguei à casa, Juninho estava no bercinho passando muito mal. Soninha me dizia: - Mamãe, dê um passe no Juninho para ele sarar!
Juninho, em 1959 |
Corri, dei-lhe um banho, vesti-lhe um pijaminha e corri com ele nos braços para o hospital Santa Luiza, na Avenida Goiás, esquina com a Rua oito, no centro. Quando lá cheguei, ele foi assistido pelo Dr. Eduardo Jacobson que me disse: - É preciso operá-lo! Fiquei apavorada. José, meu marido, estava em Belo Horizonte, em tratamento de saúde e eu tendo de assumir tudo isto sozinha me dava medo...
Juninho estava na mesa de operação. Dr. Eduardo saíra um pouco, providenciando a operação, quando escutei a voz:
- Filha, carregue o seu filho. Chegando à casa, dê-lhe chá de mentrasto com sal; foi manga que ele chupou demais em sua ausência.
Agarrei o menino muito pesado, corri para casa, mandei fazer o tal chá e qual não foi a minha surpresa?! Ele vomitou tudo e disse-me: - Mamãe, não chore, já estou saradinho.
Como sempre fiz uma prece agradecendo a Deus a assistência que recebemos.
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